A questão política se revelou muito cedo para o jovem Matěj, seu povoado, havia sido anexado ao Império Austro-Húngaro, Koslau ou Kozlov, situa-se atualmente no centro da República Tcheca, na região denominada Morávia, uma região que à época do nascimento de Sindelar, mantinha suas tradições tchecas. O idioma alemão, lhes fora forçado, mas todas as famílias mantinham em casa seu idioma e tradições eslavas.
Uma contradição que se comete sobre Sindelar, vem de que suas certidões de registro e a certidão de casamento de seus pais, são originalmente católicos, dentro das tradições do Império Austro-Húngaro, porém, por ter jogado ao longo de 15 anos em um clube de origem judaica, e em nenhum momento ter declarado mesmo que extra oficialmente, um comportamento ou tendência religiosa, ele é comumente apontado como judeu. Mas de fato, isso não tem comprovação na sua árvore genealógica, ou mesmo não há explicitamente declarado em suas biografias, um possível episódio de uma conversão ao judaísmo.
INFÂNCIA E OS PRIMEIROS PASSOS NO FUTEBOL
A vida em Koslau não era fácil, havia muito preconceito com as origens tchecas em todo o país, e seguindo o fluxo que apontava para a capital, sua família seguiu para Viena buscando novas oportunidades, se fixaram nos subúrbios vienenses e seu pai Johan encontrou emprego em uma fábrica de ladrilhos, por volta de 1908. A cultura do futebol crescia entre os operários na Áustria com a mesma força que o futebol encantava as camadas populares em outros países, é curioso ver como antes da globalização como a conhecemos hoje, midiática, o esporte já era amado e disputado tanto na Europa como na América do Sul, onde os imigrantes europeus fundavam os primeiros clubes e a gênese do nosso futebol.
Na escola, o magro e desajeitado Matthias, com seu novo nome à moda germânica, fora introduzido ao futebol, por meio das oficinas extracurriculares, que eram aplicadas a todos os filhos de operários, mais para acalmá-los e apascentá-los, do que para garantir algum futuro, dado que o futebol, ainda era visto com preconceito, como um esporte associado aos imigrantes e camadas inferiores da sociedade.
O jovem demonstrava talento, tanto no futebol, quanto na natação, desde cedo, o que lhe colocava como um aluno destacado, em detrimento de seu desempenho em outras matérias, é citado por alguns historiadores, que Sindelar não se adaptou perfeitamente ao idioma alemão em seus primeiros anos em Viena, o que persistiu até parte de sua idade adulta.
O ano de 1917 seria algo marcante na vida de Sindelar, nesse ano, ele concluía os estudos, ingressava em um curso técnico de serralheiro e como muitos jovens pobres de Viena, e muitos imigrantes, grande parte judia, como dissemos anteriormente, esse não era o caso de Matthias, o futebol amenizava a grave crise emocional, financeira e ideológica em que a Primeira Guerra Mundial afundou toda a Europa, sendo a Áustria um dos epicentros dessa crise. Era muito comum que escolas fechassem, ou mesmo fábricas, para que servissem de alguma forma como bases militares, deixando milhares de desempregados.
Porém, o ano de 1917 marcaria Sindelar com outra chaga, o falecimento de seu pai Johan, morto em combate, durante a Primeira Guerra Mundial, curiosamente, Hugo Meisl que viria a ser seu treinador futuramente, estava registrado como combatente da mesma batalha que vitimou seu pai. Na mesma época, Sindelar já treinava nos juvenis do Hertha Viena, e sua vida começaria uma nova etapa agora, com sua mãe solteira, improvisando uma lavanderia, com a qual bravamente conseguiu sustentar seus quatro filhos.
HERTHA VIENA (1918 – 1924)
O ingresso oficial de Sindelar no Hertha Viena, se deu no ano de 1918, mesmo ano do término oficial do Império Austro-Húngaro, o convite veio por meio de um dirigente, havia vários jovens talentosos, além de Matthias que já treinavam nas bases, e isso era de conhecimento dos dirigentes do clube. O jovem ainda aguardaria alguns anos, pela sua estreia no time principal, que seria feita pelas mãos do treinador Rudolf Klika, no ano de 1922, o time vinha de uma excelente temporada em 1921, e como capricho infeliz do destino, o jogo foi atipicamente interrompido por uma tempestade, e precisou ser disputado em dois dias.
Em sua primeira temporada, Sindelar passou em branco quanto aos tentos, porém, seu talento, a sua movimentação em campo e sua desenvoltura já o classificavam como um talento promissor. Os primeiros gols viriam em uma excursão pela Iugoslávia, em 1923. A essa época, os jogadores ainda não recebiam salários, não por vias oficiais, embora era sabido que muitos já recebessem ajudas de custo.
Um acidente numa piscina, ao mesmo ano da estreia no Hertha, no trabalho de Sindelar como instrutor de natação, lhe ocasionou uma fratura nos meniscos, que quase deram fim em sua carreira, não apenas pela gravidade da contusão, mas também pela fragilidade financeira em que esteve, não podendo trabalhar para garantir seu sustento. Então foram alguns meses sem poder jogar futebol e sem poder trabalhar regularmente. A situação começou a mudar em 1924, quando conseguiu um novo emprego numa serralheria, nesse ano, viriam mais dois duros golpes, uma demissão em massa na fábrica, e após atuar em oito jogos, sem marcar pelo Hertha, fora incluído na lista de dispensa do clube, que havia sido rebaixado em 1924, após doze anos figurando na elite do futebol no país.
AMATEURE E NOVA CONTUSÃO
O Amateure, clube fundado em 1911, deu ao jovem Sindelar uma nova chance no futebol, muito magro e voltando de contusão, a condição do jogador inspirava atenção, mas seu talento falou mais alto no ato da contratação. O clube tratou de oferecer uma cirurgia, que é considerada como definitiva para a continuação de Sindelar no esporte. o Doutor Hans Spitzy, realizou o que pode ser considerada a primeira cirurgia de menisco realizada em um jogador de futebol. Os primeiros gols de Sindelar em seu novo clube não demorariam a sair, porém, ao fim da temporada de 1924- 1925, uma nova contusão veio a vitimar o jogador, que perdeu a chance de participar na Copa de clubes Austríaca, da qual seu clube fora campeão. Levou dessa desta vez em torno de sete meses para se recuperar, e foi uma época de muita instabilidade financeira.
No ano seguinte, no início da temporada de 1925-1926, outro destacado craque se juntou ao Amateure, Walter Nausch, o time começou muito bem a temporada, e pouco se falava de Sindelar, que era visto com muita desconfiança, por seu porte físico e pelas contusões, porém, após um longo período de readaptação, encarando o banco algumas vezes, a volta por cima veio ao final da temporada, e na mesma Copa da Áustria, que lhe havia sido privada no ano anterior, Matthias marcou gol em todas as partidas, e foi o destaque no bi-campeonato conquistado pelo Amateure. A técnica de suas atuações era destacada. Segundo muitos críticos, o craque atuava fazendo pose para as fotos, era extremamente elegante e fotogênico, e então como um voo do cisne, o melhor de seu futebol começou a emergir, na hora exata! Muitas coisas mudariam para melhor no ano seguinte, e Sindelar não desejava estar em outra lista de dispensa de clubes. Isso não ocorreria, pois, seu clube conquistou o primeiro título nacional na ainda amadora liga austríaca.
A temporada de 1926-1927, marcava o início da profissionalização no futebol da Áustria, a partir de então muitas coisas mudariam, não faria sentido o atual clube de Sindelar continuar mantendo Amadores em seu nome, e nessa feita, o clube muda sua alcunha para Áustria Viena!
AUSTRIA VIENA
O novo nome do clube, a profissionalização do futebol que possibilitou a Matthias o recebimento de um salário, o fim da guerra, a expansão de fronteiras seriam ímpares na sua carreira, e talvez, não representasse o vulto que é, se não fossem esses detalhes. Na primeira partida do extinto Amateure como Austria Viena, uma goleada épica de 6-1 com três gols de Sindelar, sobre o time do Floridsdorfer, e uma das mais comentadas e memoráveis atuações do craque até então. No fim de 1926, nos festejos natalinos, o clube excursionou pela Espanha, onde derrotou o Bilbao em casa, em duas partidas, disputadas 25 e 26 de dezembro, tal jogo não apenas mostrou a Europa o poder do recente futebol austríaco, como também lhes mostrou atuações brilhantes de Sindelar.
A primeira temporada do time como Áustria Viena, no campeonato profissional, não foi tão boa quanto a anterior, terminando em sétimo, porém, o mesmo não se pode dizer das atuações de Sindelar, que acumulava alcunhas dadas pelos jornalistas, e impressionava a cada partida. O mais famoso apelido de Matthias, surge exatamente nesse ano, Der Papierene, "O Homem de Papel", um nome que caía bem ao porte alto e esguio de Sindelar.
Matthias se impunha como um excelente driblador, um jogador veloz de muita inteligência, em uma época onde o futebol ainda proporcionava duelos físicos, sendo esse um dos primeiros jogadores europeus a se destacar por jogadas de habilidade, execução de dribles de passada e muita participação em jogadas de tabela, um primor tático, acima de tudo!
Do ano de 1926 também data a sua primeira convocação para o selecionado austríaco, um dos primeiros sinais de que superara seu período de contusões e estava livre das críticas e desconfianças sobre seu futuro no futebol.
As temporadas seguintes, mostravam um jogador cada vez melhor e mais regular nos tentos, embora, o clube não brigasse por títulos por algum tempo, a crise de 1929, trouxe graves consequências ao país, e consequentemente ao futebol, e cada clube a seu modo experienciou alguma dificuldade extrema, o Áustria Viena, permaneceu por quase três anos sem uma diretoria oficial, e o time permaneceu em posições intermediárias e com problemas de gestão até o ano de 1932, que seria um ano de redenção suprema para Sindelar e seu time.
COPA MITROPA – 1933
O nome Mitropa é uma contração do alemão de Mitteleuropa, que significa "Europa Central". Em sua época, a Copa Mitropa era chamada também de "Copa Europa" ou "Copa da Europa”.
Em seus primeiros anos (foi disputada desde 1927), o futebol mais vistoso do velho continente (e do mundo) era praticado no leste europeu, e as primeiras edições do campeonato foram disputadas entre clubes da Hungria, Áustria, Tchecoslováquia e Iugoslávia. Cada país tinha 2 representantes. Em 1929 as equipas da Itália substituíram os iugoslavos.
Em 1932, ainda em meio à crise econômica mundial, o parlamento da Áustria chegou a ser dissolvido, as dificuldades financeiras em que a Europa estava afundada eram fortes, mas o futebol continuava vivo, também como uma válvula de escape a todos os problemas que todos enfrentavam.
A temporada da Liga Austríaca de 1932, não fora nada excepcional para o Austria Viena, porém, na Copa da Áustria as coisas foram diferentes, o time deslanchou, levou a competição e garantiu a participação na Copa Mitropa de 1933.
O Áustria Viena derrotou o Slavia Praga e também passou sem dificuldades pela Juventus em duas partidas, com direito a 3-0 no primeiro jogo, um pequeno detalhe, é que o time de Turin, era então penta campeão italiano, e base da seleção italiana que seria campeã mundial no ano seguinte. O adversário da final seria o Inter de Giuseppe Meazza, que na época se chamava Ambrosiana. O título veio com a necessidade da realização de uma terceira partida. Mas seria essa a primeira consagração Internacional do clube.
O título continental do Austria Viena trouxe grande atenção para a seleção austríaca, havemos de lembrar, que mesmo sendo campeão continental, o clube de Sindelar, não era campeão da liga desde a temporada de 1925-1926, nesse período outros clubes austríacos estavam repletos de bons jogadores, muitos craques, e embora Matthias fosse apontado como uma estrela única, o técnico Hugo Meisl, dispunha de uma série de boas opções, tanto que a mídia apelidava seu time de Wunderteam, time dos sonhos. A copa seria também um divisor de águas do bom período da seleção austríaca, que vinha de uma lua-de-mel com a crítica. O quarto lugar, veio amargo, com uma derrota para a Alemanha, onde Sindelar, nem jogou a partida de disputa pelo terceiro lugar.
O time Austríaco de 1934 era cantado como o possível campeão do mundo, mas ficou na memória dos amantes do futebol, tal como a Holanda de 74 ou a Hungria de 54, grandes esquadrões que não venceram uma Copa do Mundo.
PÓS COPA, POLÊMICAS E ASCENÇÃO DE HITLER
A crítica pesou muito a mão sobre a seleção austríaca, que foi acusada de displicente, Sindelar vinha perdendo progressivamente espaço para Josef Bican nas escalações da seleção. O Austria Viena viria a conquistar novamente a Copa Mitropa em 1936, que teria Mezza como artilheiro com 10 gols, Sindelar mesmo campeão, marcara apenas 4.
O jogador continua figurando as escalações, mas oscilando entre atuações brilhantes e atuações apagadas. Isso levaram alguns a lembrar de suas contusões no início da carreira, a o chamarem de lento e velho para o futebol competitivo. Suas participações pela seleção foram aos poucos ficando escassas, de forma que pouco participou na campanha das eliminatórias para a Copa de 1938, para o qual a Áustria se classificou, às vésperas de um episódio histórico que mudaria a vida de seu país para sempre, a anexação à Alemanha Nazista em 1938.
O sentimento nacionalista tomava conta de toda a extensão do possível território alemão, e um episódio chamou atenção do mundo do futebol, poucas semanas antes do anúncio oficial da anexação, a pedido de Hitler, foi realizada uma partida entre a seleção da Áustria e a seleção alemã, realizada como propaganda do novo governo.
O jogo, levanta muitos mitos, um deles é o de que Hitler estava presente no estádio, mas não, ele realizava um comício em outra cidade no mesmo dia. Conta a história que Sindelar após realizar o gol que abriu o placar, se dirigiu ao camarote dos alemães e comemorou efusivamente o gol. Pela coincidência de relatos, isso de fato aconteceu, mas como dissemos, Hitler não estava presente ao estádio, e também não há confirmação sobre uma outra lenda, a de que os oficiais alemães haviam pedido aos jogadores dos dois times que a partida terminasse empatada, ou mesmo a versão radical da história que dizia que os mesmos esperavam uma vitória do selecionado alemão, lendas possíveis sim, mas nunca confirmadas.
O fato é que se Sindelar desrespeitou os nazistas, isso não surtiu o efeito esperado, pois o mesmo fazia parte dos planos do treinador Sepp Herberger para a convocatória da copa de 1938. A partir daí tudo que for dito, pode não passar de especulação, porém o próprio craque, já apresentava vontade de se afastar do futebol, o que podia ser contraditório por seu rendimento, que mesmo decadente, ainda continuava vistoso e preciso, porém, a convocatório não aconteceu, e é sim um fato oficial que Sindelar foi investigado pela policial secreta alemã sob suspeita de ativismo anti-nazista, isso pôde ser comprovado em documentos divulgados sobre o período do Nazismo.
O MISTERIOSO FIM
No mesmo ano de 1938, Sindelar abandonou os campos, e em buscas pela internet podemos encontrar todo o tipo de especulações e teorias. O que de fato aconteceu é que fora encontrado morto ao lado de sua namorada, sob suspeita de envenenamento por vazamento de gás.
Ao contrário de muitos dos seus antigos companheiros de equipe, Sindelar, não herdou nenhum cargo público, e para dar seguimento à sua vida, abriu uma cafeteria. Como sabemos, historicamente, muitos bens comerciais na Alemanha, antes de Hitler estavam em posse de judeus, e com a cafeteria que Sindelar abriu, não fora diferente. Após o antigo dono “perder” a concessão de seu negócio, a mesma foi comprada pelo ex-jogador.
Entre muitas contradições e suspeitas, o fato concreto é que Matthias e sua namorada, foram encontrados desacordados no apartamento dela, na manhã do dia 23 de janeiro de 1939, encerrando a vida dessa lenda dos gramados aos 35 anos de idade.
Nesta casa, morreu no dia de 23 de janeiro de 1939, em circunstâncias pouco claras, o Rei do futebol de Viena, Matthias Sindelar, apelidado de "O homem de papel". Sindelar, nascido em 10 de fevereiro de 1903, em Kozlau (hoje Kozlov, na República Checa), foi durante anos o coração e a cabeça do Austria Viena e do legendário Wonderteam austríaco.
Dedicado pelo Austria Viena, da Áustria, em maio de 2008