Emocionante clique do primeiro tento oficial de Kazu em 19 de março de 1988, o mítico primeiro gol de um japonês em terras tupiniquins ajudou o XV de Jaú a assumir a liderança do campeonato paulista, após derrotar, em casa, o Corinthians por 3 x 2. O Ponta direita Paulinho entrou driblando pela ala do campo e cruzou para a área, onde Kazu flutuou sozinho e logrou com êxito a cabeçada, no canto da rede.
O INÍCIO DE UMA LENDA
É pouco comentado o fato de que Kazu veio de uma família rica, seu pai, o Sr. Nobuo Naya, é um milionário investidor japonês que já flertava com o futebol brasileiro antes mesmo de seu filho desembarcar por aqui. Assumidamente fã de Rivelino, seu pai, custeou todo o sonho de profissionalizar o filho no esporte, um sonho que era de Kazu, e não de seu pai. Nobuo mantinha uma amizade com o presidente do XV de Jaú na época, Palmiro Guirro, e já havia um certo êxodo de jogadores japoneses para o Brasil. O fato é que o Japão ainda não tinha uma liga consolidada, o futebol era precário não em estrutura, mas em alma, e os japoneses possuíam uma certa visão romântica sobre o Brasil e seu futebol, está aí o caldeirão fértil que trouxe o jovem ao país, em 1982, com 15 anos, após breve passagem pelo Shizuoka Gakuen H.S., onde treinou em 1982. O primeiro time no Brasil foi o Juventus da Mooca, onde Kazu e família decidiram que seria a escola ideal para o craque ganhar corpo e ter alguma sorte de chegar ao time principal, no início era tudo uma experiência, mas o jovem se mostrou focado, venceu a barreira da língua, não só a falada, mas a do futebol. Foram quatro anos na base da Mooca, antes de sua chegada a um clube de grande porte no país, o Santos em 1986. No time da vila, talvez por timidez, Kazu não se saiu tão bem como o esperado, houve o medo de que o jovem nunca chegasse a jogar entre os titulares definitivamente, embora fosse considerado promissor e demonstrasse habilidade. Ainda no mesmo ano de 1986, Kazu passou por empréstimo no Palmeiras e no Matsubara, clube paranaense alicerçado por empresários japoneses. No ano de 1987, o jovem Kazu, com 20 anos, ainda faria uma passagem rápida pelo CRB de Alagoas, sempre procurando um clube onde pudesse jogar entre os titulares. A experiência em Alagoas não foi tão boa, assim como as demais, e parece que o sonho estava a ruir quando apareceu um personagem único nessa história, o XV de Jaú, por onde Kazu finalmente atingiu o status de titular, além de ter sido esse o clube por onde o craque marcou seu primeiro gol como profissional.
VOLTA AO FUTEBOL JAPONÊS
O gol de Kazu contra o Corinthians foi um fenômeno de marketing que uniu futebolisticamente os dois países, durante meses, até mesmo anos, os noticiários japoneses exploraram a imagem do gol de todas as formas possíveis, uma das curiosidades é que a camisa do XV de Jaú foi amplamente vendida no Japão nessa época, e o time por onde Kazu treinava em 1982, o Shizuoka, para surfar na onda do sucesso, adotou as cores e o mesmo icônico uniforme e emblemas do XV, os quais o clube usa até os dias atuais. Logo após o fim do ano de 1988, kazu se transferiu para o Coritiba, o objetivo agora era se firmar em um grande clube do país, após boas exibições e 21 partidas oficiais, o Santos comprou mais uma vez o passe do atacante, que à essa altura já era famoso no país, e muitos torciam pelo seu sucesso no futebol nacional, porém, mais uma vez o craque, mesmo fazendo 3 gols em 11 partidas oficiais, o craque viu muito o banco, e disputar uma vaga naquele time não foi algo fácil novamente.
Enquanto isso no Japão, os planos e estruturação da liga nacional se acentuavam, o plano era contratar grandes nomes, como a MLS fez nos anos 70 e popularizar o esporte no país, muitas foram as medidas adotadas, mas a mais famosa delas, é um hit da cultura pop oriental, que tem muitos fãs no ocidente, o anime Capitain Tsubasa, que contava a história de um jovem japonês que começava a carreira no São Paulo e levaria o Japão à um título mundial, alimentava os sonhos de uma multidão de jovens japoneses. Embora a história seja facilmente atribuída a Kazu, o autor da série original nega o fato, atribuindo a inspiração do personagem principal da animação a outro jovem que também ficou famoso no Japão por se transferir e treinar no São Paulo, Musachi Mizuchima, porém como este não chegou a fazer uma única partida oficial pelo tricolor paulista, essa história ficou pra lá de confusa.
Culturalmente, os animes japoneses tem a mesma força que as telenovelas possuem no Brasil, e eis o fato, o jovem que influenciou a série Capitain Tsubasa, ao contrário do que todos pensam, foi o jovem Musachi Mizuchima, que treinou no São Paulo entre 1975 a 1985, chegando ao clube com 15 anos, porém o jogador nunca disputou uma partida oficial no Brasil.
Kazu fazia parte dos mesmos planos que levariam Zico ao Japão, e em 1990, ele aceitou a proposta do Tokyo Verdy, onde jogaria ao lado do brasileiro Ruy Ramos, a essa altura já naturalizado japonês, que jogava pelo clube desde 1977, e foi um símbolo não só do Verdy e da Jleague, mas sim do surgimento da seleção japonesa como um time de futebol de verdade, algo um pouco além de 11 caras em campo correndo atrás de uma bola. Pelo Verdy, Kazu se tornaria uma lenda do clube, com 100 gols em 192 jogos oficiais, uma média incrível, além de toda a resposta em vendas que o craque beneficiou ao time. Com certeza seu pai ficou muito orgulhoso.
SELEÇÃO JAPONESAO "sucesso" de Kazu no Brasil o transformou numa espécie de mito entre os japoneses, mas o aprendizado nas canchas brasileiras fez realmente bem, o habilidoso jogador japonês se tornou uma lenda no clube da capital, onde conquistou por quatro vezes a primeira liga nacional do Japão nas temporadas de 1990–91, 1991–92, 1993 e 1994.
O primeiro gol pela seleção aconteceu em 1992, numa goleada de 4 a 1 sobre a Coreia do Norte. Kazu fez um gol no fatídico jogo em que o Japão perdeu no último minuto a vaga para a Copa do Mundo de 1994 ao ceder empate por 2 a 2 com o Iraque. O resultado classificou Coreia do Sul e Arábia Saudita para o Mundial. Porém o craque colecionou boas atuações e foi eleito o melhor jogador do continente asiático no ano de 1993, além da artilharia nas Eliminatórias Asiáticas para a Copa de 94, com 13 gols.
Ruy Ramos e Kazu Miura atuando pela seleção japonesa.
Kazu foi o principal responsável pelo Japão jogar a Copa da França, sendo o artilheiro nas eliminatórias mais uma vez, dessa feita, com 14 gols, um a mais do que nas eliminatórias anteriores.
MUITO ALÉM DA LENDA
Após a Copa do Mundo da França, em 98, começaram as especulações sobre a queda de rendimento do craque, a Jleague sofria com a crise dos tigres asiáticos, e muitos dos seus brilhantes elencos foram desfeitos. Kazu em 1999 fez uma pequena nova experiência no futebol europeu, seria a sua última, pelo time croata do Zagreb, jogou poucas partidas, antes de retornar ao Japão de onde nunca mais sairia profissionalmente como contratado, até os dias presentes. Na temporada de 2000 atuou pelo Kyoto Sanga, se transferindo no ano seguinte para o Vissel Kobe, onde jogou entre 2001 a 2005, atuando em 103 partidas oficiais.
No fim do contrato com o Vissel, muitos davam Kazu, que não participou do ciclo da seleção japonesa em sua casa, na Copa do Mundo de 2002, sediada por Japão e Coreia do Sul, como acabado para o futebol, porém, esse seria apenas o início de algo que faltam palavras para definir, dentro do escopo do esporte, uma das carreiras mais curiosas e longas da história se desenhava a cada jogo, e tudo, ou muita coisa era considerada, ou melhor, é considerada recorde oficial ou extra-oficial, ou mesmo oficioso, toda vez que o craque entra em campo.
Kazu está presente nas edições do jogo Fifa Soccer da EA Sports, desde 1996.
Alguns exemplos são, no ano de 2012, Kazu foi cedido à seleção japonesa de Futsal, se tornando o jogador mais idoso a participar do Mundial de Futsal, Kazu quebrou aos 50 anos em 2017 o recorde do inglês Stanley Matthews como jogador mais velho a marcar um gol em uma partida. A cada jogo que participa, além de toda a história envolvida, se os estatísticos e matemáticos trabalharem, Kazu com certeza estará quebrando algum recorde, ou algum feito inédito no futebol, hoje apenas pela sua idade, e força de vontade em continuar praticando o esporte que ama.
Mas quem diria que esse japonês que escolheu o Brasil como escola, se tornaria em um resumo, uma síntese do amor extremo a um esporte, da dedicação de toda uma vida como atleta, de tantos que são os feitos atribuídos à essa fera, resumimos muitos para o texto não ficasse infinito, porém, um título especial é complexo de por em números, não é quantificável, com certeza esse ser humano é um dos maiores apaixonados pelo futebol, capaz de sintetizar em sí, o sonho de ser um jogador, o sonho de tantos meninos em todo o mundo, e a relutância em largá-lo, faz dele a cada jogo, um personagem principal de seu próprio filme. Kazu tinha um sonho, apenas um sonho, ser um jogador profissional, e ele teve muito mas muito mais do que isso, a chance de viver muitas e muitas vezes esse sonho. Inspire-se nessa lenda!