Nossa viagem se encontra na década de 40, também conhecida como "a década perdida". Os acontecimentos sugerem o possível momento mais difícil da história da humanidade, com a ascensão da Segunda Guerra Mundial ocasionando traumas e tragédias irreversíveis. Por outro lado, foi também uma época de muitos avanços científicos e tecnológicos, com o primeiro avião a jato, o inédito computador eletrônico (a IBM lança o ENIAC), a maior popularização da TV na Europa, Japão e Estados Unidos. Ao final desse década, também marcará o início da reconstrução da Europa e do Japão. Na economia surgiria o Plano Marshall (EUA) e  o Comecon (Conselho para Assistência Econômica Mútua), que ajudariam nesse processo de reestruturação capital. A voz da época pode ser escutada com Frank Sinatra. 

Já como o esporte das multidões, o futebol também foi atingido pelos estilhaços dos conflitos, ceifando a realização de Olimpíadas e as Copas do Mundo, assim como a possibilidade de consagração maior dos grandes gênios da época. Se para muitos essa década foi considerada perdida, em produção e beleza do futebol é diferente, sendo esse um dos momentos mais românticos, áureos de gerações extraordinárias e eternas. A prática já tinha consideráveis avanços táticos, com engrenagens do futebol moderno, a preparação física já era notável e a técnica dos craques do período foi irresistível. 
Vamos então para a equipe, uma homenagem com os possíveis jogadores mais emblemáticos entre 1940 a 1950. A organização tática escolhida é a padrão na época (o 2-3-5, embora no período o 3-2-5 e outras ramificações ocorressem). Confira:


 

Nosso arqueiro escolhido foi o uruguaio Roque Maspoli. Desde cedo destacou-se como um goleiro notável, iniciou no futebol aos 16 anos no Nacional, mas ganharia maior expressão defendendo as cores do Peñarol, conquistando seis vezes o campeonato uruguaio. Com um físico avantajado, reflexos rápidos, era muito forte no duelo 1 vs 1 contra atacantes pelo seu poder de antecipação,  fechando os ângulos usando seu corpanzil, e também tinha bons conhecimentos táticos. Sua dificuldade em afastar jogadas aéreas era compensada com a malandragem de colocar as mãos acima da cabeça dos jogadores. Disputaria duas Copas do Mundo, conquistando em 1950 o Mundial no Brasil.

Para a defesa, começamos por um dos melhores zagueiros da história argentina, José Salomón. Atuando sempre com elegância, precisão nos carrinhos para desarmes, era também um capitão, divide recorde de jogos na Argentina pela Copa América, competição que venceu três vezes. Ficaria marcado por uma lesão de tíbia e fíbula ao disputar a bola com Jair Rosa Pinto, lance que desencadeou uma intensa briga em um clássico Brasil x Argentina. Ídolo histórico do Racing, sendo uma das maiores figuras numa época difícil do clube, só obteve uma conquista, a Copa da Argentina, com a Academia.
Outro defensor histórico, dos melhores da escola italiana, temos a figura de Virgilio Maroso. Apesar do pouco tempo de vida (24 anos), interrompido no trágico acidente aéreo de Superga em 1949, teve tempo de se destacar como um dos melhores zagueiros europeus dos anos 40. Ajudaria o Torino na conquista de três títulos do Calcio, pela Azurra jogaria sete partidas e marcaria um gol. Tinha um estilo distinto, com habilidade e avanços até o ataque, atitudes consideras sinistras para um defensor. Seu papel no campo foi sempre hábil e correto em suas ações, poderia ter alcançado ainda mais fama não fosse o desastre.

 
A linha média se apresenta como um coração para esse esquadrão de sonhos!

Começa por um "monstro" de jogador, assim foi alcunhado Bauer, um dos maiores e mais geniais médios de campo da história do futebol. Jogador de muita força e marcação implacável, se destacava ainda mais pelo talento refinado, de técnica apuradíssima, com clássicas matadas de bola no peito e saídas de jogo perfeitas, com passes precisos. Foi o principal nome da melhor linha média do Brasil, a que formou com Ruy e Noronha no São Paulo, sendo Campeão Paulista 5 vezes, além de 5 Interestaduais. Na Seleção Brasileira demonstrou ser um jogador completo, chamando atenção também pela liderança, como um capitão coerente, sendo o único poupado de críticas na derrota brasileira no Maracanazo. Seria o único daquela geração a jogar a Copa de 54, antes conquistou a Copa América de 1949.

Ao centro desse meio-campo, ninguém menos que o mítico chefe negro, Obdulio Varela. Foi um dos maiores capitães da história, personalidade única, líder nato, jogava com entrega, intensidade jamais vista em outro jogador, assim tornou-se uma lenda para os uruguaios. Não havia bola perdida, não existia o medo, dava a vida em campo. Engana-se pensar, porém, que fosse apenas um voluntarioso, tinha dotes técnicos, visão de jogo, imposição na defesa e no ataque, poderoso jogo aéreo e capaz de chutes de longa distância, era um médio bastante completo. Por muitos é considerado o maior jogador da história do Peñarol (conquistou seis Campeonatos Uruguaios) e a maior figura da mais emblemática conquista Uruguaya, a Copa do Mundo de 1950. Disputou duas Copas e com ele a seleção em Mundiais jamais foi derrotada, também conquistou uma Copa América. Foi seu estilo que popularizou ao mundo o jogo de luta e disposição uruguaia. Nelson Rodrigues lhe descreveu assim: “Varela não atava as chuteiras com cordões, mas com as veias”.

Para o lado médio-esquerdo, apresenta-se Erik Nilsson. Muito se fala no fantástico Trio Gre-no-li, mas o personagem Nilsson merece destaque similar pela importância de seu jogo. Sua fama começou ainda em 1938, quando a Suécia terminou a Copa em 4º. Pelos anos 40 teve seu auge técnico e pessoal, consagrando-se no título Olímpico de 1948, disputou também a Copa do Mundo de 1950, com os suecos terminando em terceiro e ele como um dos melhores defensores, recebendo em seu país o prêmio de futebolista sueco daquele ano. Foi um dos únicos jogadores a disputar Copas do Mundo antes e depois da Guerra. Também foi medalhista Olímpico em 52, seu país ficou com o bronze. É considerado o maior jogador da história do Malmö FF, liderou uma geração histórica em 5 títulos nacionais, chegando a recusar propostas de muitos clubes europeus, como o Milan.

 
Imaginar uma linha de atacantes como essa é sonhar um futebol na mais pura perfeição do drible, da habilidade, dos gols e da maestria inata.

Na extrema-direita temos um Mago dos Dribles, o interminável cavaleiro britânico, Stanley Matthews. Sua obsessão no cuidado com o corpo lhe rendeu muitos anos de grande futebol, tanto que ganhou ainda mais fama depois dos 30 anos, sendo até hoje o jogador com mais tempo pela Seleção Inglesa, atuou de 1934 a 57, longos 23 anos! Treinava respiração, fazia longas corridas, era ainda vegetariana, físico atipico. Foi o primeiro gênio premiado pela Bola de Ouro da France Football, em 1956, já com mais de 40 anos. Possuía uma velocidade impressionante, seus movimentos tinham uma agilidade incomum, era um terror para os defensores, conseguia se desvencilhar em curtos espaços do campo, atribuía cortes secos nos marcadores deixando sentados e humilhados, um deles foi Nilton Santos. É o único jogador com mais de 50 anos a jogar na primeira divisão da Inglaterra. A beleza de seu jogo impressionou a todos, sua longevidade jamais foi alcançada.

Na criação de jogadas, verticalização do jogo e gols, temos o Mestre da Bola, Zizinho. Sua técnica foi colocada no mesmo patamar de Pelé, era um jogador completo, cheio de personalidade, inteligência, de controle inato da pelota, capaz de atuações que impressionaram o mundo. O Mestre Ziza foi um dos melhores e mais perfeitos futebolistas brasileiros da história, possuía um misto de valentia com lucidez coletiva, tinha dribles rápidos e penetrava como melhor entendia na defesa rival. Enxergava o jogo como poucos, fazendo enfiadas que deixavam os atacantes livres para marcar. A bola jamais ficava indiferente a Zizinho, muito arisco, sempre chamava a marcação, possibilitando os companheiros de penetrar na defesa rival. Bandeira da história do Flamengo, onde foi Tricampeão Carioca, também foi ídolo do Bangu e no São Paulo (uma vez campeão paulista). Foi talvez o principal nome da Seleção Brasileira de 1950, quando ficou mundialmente famoso pelas suas jogadas, embora também fosse um dos que mais sofreu com a derrota. Sua maior conquista na seleção foi a Copa América em 1949. O mestre Ziza foi a alma do jogo brasileiro.


Apesar de não atuar sempre como centroavante, o maior personagem argentino da época cabe perfeitamente na posição, falamos de El Charro, José Moreno. Futebolista revolucionário, dos mais emblemáticos e melhores que existiram na Argentina e no Mundo, enfeitiçou os campos de jogo com jogadas de brilhantismo e gols de sonho. Foi o maior personagem argentino de seu tempo, numa época que o país tinha uma geração que ditava o cume global. Foi comparado mais tarde com outros gênios, tais como Maradona e Di Stefano. Sabia armar jogo, arrematar de longa distância e grande cabeceador. Possuía físico superdotado, conseguia conciliar boas exibições nos campos, com uma vida noturna agitada em boates. Moreno atuou como a síntese mais talentosa da engrenagem da Máquina de River (seis vezes campeão argentino, quatro vezes da Copa Aldao). Foi um personagem boêmio, mulherengo, verdadeiro representante do tango, da paixão por el balón. Ídolo também na Universidade Católica (campeão chileno) e no Independiente Medellin (campeão colombiano), sendo um grande andarilho sul-americano. Com a Seleção da Argentina por duas vezes conquistou a Copa América, atuando em mais de 30 jogos e marcando aproximadamente 20 gols.

Como meia-atacante pelo lado esquerdo, um gênio italiano que faz lembrar figuras do renascimento, Valentino Mazzola. Foi a maior figura do Grande Torino e da brilhante geração italiana dos anos 40, ambos ceifados por tragédias: a guerra que impedira os Mundiais e o acidente aéreo de Superga. Pela Seleção italiana jogou 12 partidas e assinalou em quase metade dos jogos. Mazzola abusava de uma elegância extraordinária, seus gestos eram refinados, dotava de ótimo físico, com nato controle de bola e dribles coordenados, foi um jogador reconhecido pelo seu futebol romântico e sedutor. Unia a isso uma raça impressionante, cerrava os dentes e agia como um touro indomável, protagonizou o Torino a dominar o Calcio, vencendo cinco títulos Italianos, sempre com muito de seus gols. Para sempre o maior nome de uma geração eternizada na história. Alguns dos que o viram, afirmam ser o melhor jogador italiano de todos os tempos.


Na ponta-esquerda encerramos com outro personage argentino ilustre, Adolfo Pedernera. Maestro da canhota, foi daqueles típicos meias clássicos que a Argentina tanto produz, tinha capacidade de criação, organização, agilidade e gols. Sabia jogar de meia-atacante e nas pontas, posição ao qual foi eleito nessa homenagem. Foi visto como o mais inteligente jogador do quinteto argentino e da Máquina do River (conquistou 4 Campeonatos Argentinos). Foi mentor também de uma equipe fantástica na Colômbia, com o Millonarios, chamada de Ballet Azul. Na seleção portenha logrou três Sul-Americanos.

FORMAÇÃO DOS SONHOS (Suplentes) II:
 
Plánicka (Tchecoslováquia)
Tajera (Uruguay) - P. Rava (Itália)
S. Gambeta (Uruguay) Antonio Sastre (Argentina) Neil Franklin (Inglaterra)
Larbi Benbarek (França) Leônidas (Brasil) Josef Bican (Áustria/Tchecoslováquia) Schiaffino (Uruguay) Tesourinha (Brasil)

Outros jogadores lembrados no período: Sándor Szucs, Carlos Sosa, V. Rodriguez Andrade; Stjepan Bobek, Labruna, Ademir Menezes, Peyroteo, G. Nordahl, Telmo Zarra, Loustau, Enrique Garcia.