A atmosfera tinha perfeita simbiose entre Flamengo, a nação e o Maracanã com geral e capacidade para mais de 100 mil apaixonados. A bola passava de pé em pé, sempre bem tratada. Podia respirar fundo em faltas na entrada da área adversária, era meio gol para certo camisa 10. Poucas vezes se reuniu tanto talento, sedução e eloquência numa equipe. Aquele vermelho & preto trouxe plasticidade e categoria de arrebatar, maltratar, de emoções épicas o coração. Na pele rubro-negra se escorria suor, sangue, como símbolos da raça, do amor e da paixão entre o time e sua torcida. O Flamengo dos Shows, o FlaShow que tinha fibra e fazia vibrar, os insaciáveis Campeões do Rio de Janeiro, do Brasil, do Continente e do Mundo. O esquadrão de Raul, Leandro, Mozer, Júnior, Andrade, Adílio, Zico, Nunes & cia, jogava por música, virava poesia e se eternizava como a geração que trouxe para os campos de futebol o festivo carnaval de maravilhas dos brasileiros, fazendo do CR Flamengo definitivamente uma das culturas mais emblemáticas do Brasil.
O BRASIL EM VERMELHO E PRETO
Faltava pouco para a afirmação nacional, e a decisão não seria nada fácil contra uma equipe de qualidade equivalente a rubro-negra. A perda da final de 1977 no Mineirão, fez do Atlético um time mais experiente. O esquadrão mineiro chegava à decisão deixando para trás Vasco, São Paulo, Fluminense e o Internacional (campeão invicto de 79), nas Semifinais. No poleiro do Tricampeão Mineiro (1978-79-80) nomes como João Leite, Luizinho, Jorge Valença, Chicão, Cerezo, Palhinha, Éder e o genial Reinaldo. O duelo não era só nos gramados, passavam também pelas arquibancadas, com as maravilhosas torcidas apaixonadas. No Mineirão mais de 90 mil pessoas, dia 28 de maio, a massa atleticana ecoava Galo, Galo, Galo... Com Reinaldo fazendo o gol da vitória atleticana aos 9’ do segundo tempo, dando a vantagem do empate aos mineiros no Rio de Janeiro.
Na empolgação atleticana, Coutinho tira a cadência de Carpegianni e coloca pegada no meio-campo com Adílio. O Flamengo passa a controlar. O Atlético tenta um ataque aos 24’, o bandeira marca impedimento de Reinaldo, o jogador reclama um pouco acima do tom, José de Assis de Aragão chama a responsabilidade e expulsa o craque, causando a revolta dos atleticanos. A vantagem numérica deu ao Flamengo ainda mais imposição, que passava a pressionar enquanto o Atlético se fechava. Perto do fim, os ares eram de aflição para os dois lados. Até que, aos 37’, na diagonal da área atleticana, sem ângulo, Nunes passa por Silvestre e acha o único caminho das redes de João Leite. Gol do Flamengo! Gol do Título! Nem os nervos a flor da pele dos atleticanos tendo ainda Palhinha e Chicão expulsos, tirava mais a Taça de Ouro do Mengo. O Flamengo conquistava seu primeiro Campeão Brasileiro!
Alguns meses depois, em giro pela Europa, o Flamengo continuou empilhando taças e ganhando experiência para os grandes desafios fora do Brasil.
O FLAMENGO “OVERLAPING” DE COUTINHO
Seus treinos aplicavam o chamado Overlaping (a sobreposição), que em tese seria o deslocamento dos jogadores sem a bola, para atrair a marcação. Tudo feito com velocidade e pegada, o treinador também era um preparador físico. As estratégias de jogadas com um ponto futuro, movimentos de ultrapassagem dos laterais pelos ponteiros, para alcançar situações surpresas a linha de fundo na área adversária, além da transição ofensiva com a bola e sem ela, foi um importante legado no Brasil. O país que ainda estava com avanços tímidos dos laterais e a maior parte dos pontas jogando aberto nas extremas, facilitando marcações. Com alas e meias habilidosos, Coutinho pôde enfim fazer suas “teorias” ou “estrangeirismos”, calando os críticos. Ensinamentos continuados por Carpegiani, que tocou o barco após a perda do treinador. “Foi uma mistura mágica, liderada pelo Carpegianni, um técnico muito inteligente. A equipe tinha a técnica de Zico, Leandro e Júnior. O oportunismo de Nunes. A juventude do Mozer, Adílio e Andrade, além da minha experiência, do Lico e do Marinho. O time parecia impor um ritmo forte, mas quem corria era a bola. Todos tinham muita confiança” afirmou o goleiro Raul.
NA TÉCNICA E RAÇA, A CONQUISTA DA AMÉRICA
Arrasadora foi a equipe rubro-negra no triangular das Semifinais. Jogando fora de casa o Flamengo mostrou não ser só um time de Maracanã e foi superior aos rivais. Com gol de Nunes veio a vitória frente ao Deportivo Cali do craque Willington Ortiz, na Colômbia. Baroninho e Adílio assinalaram a vitória na sempre complicada altitude da Bolívia frente ao Wilstermann. Depois ocorrem os jogos no Maracanã e o Flamengo liquidou de vez os adversários com shows de jogadas e gols: 3 a 0 (dois de Zico) pra cima do Deportivo Cali e 4 a 1 de virada (gols de Nunes, Adílio, Anselmo e Chiquinho) frente aos Campeões Bolivianos. Garantindo assim passagem à final. Do outro lado da chave, o chileno Cobreloa superou de forma invicta com 3 vitórias e 1 empate, ninguém menos que os temíveis uruguaios do Nacional e do Peñarol. Os Naranjas (como são conhecidos) eram os atuais campeões Chilenos e tinha como destaque o zagueiro Mário Solto, os meias Héctor Puebla e Victor Merelle, na frente o atacante uruguaio Jorge L. Siviero. A equipe era forte e chegaria a decisão da Libertadores em dois anos consecutivos.
A BATALHA PELA LIBERTADORES
Na primeira partida, dia 13 de novembro, em um Maracanã com 93 mil pessoas, o Flamengo contou com o talento de Zico (aos 11’, após tabelar com Adílio e receber para abrir o placar; e aos 30’, assinalando penalidade máxima), para vencer o Cobreloa por 2 a 1. Uma semana depois, pressionado pelo clima hostil, truculência da polícia de um país que vivia sob uma sangrenta ditadura militar, liderada pelo general Augusto Pinochet, no estádio de Santiago com mais de 61 mil torcedores, o Flamengo cedeu ao jogo agressivo dos chilenos e saiu das suas características ao tentar jogar pelo empate, sendo derrotado por 1x0.
A finalíssima ocorreu dia 23 de novembro, no campo neutro do emblemático estádio Centenário de Montevidéu. Além da inteligência emocional, o Flamengo teve de aliar valentia as suas virtudes técnicas em prol dessa apoteose. Os chilenos estavam dispostos a fazer uma guerra campal, abusando de jogadas desleais, deixando o jogo truncado no meio-campo. Sem se acovardar o Flamengo mostrou ser um time de fibra. O rubro-negro respondia na base da raça de Mozer, Júnior e Andrade, enquanto a qualidade para furar o bloqueio veio com Zico. Aos 18’ do primeiro tempo, após bate e rebate, a bola sobra a meia altura, o galinho se inclina e arremata fazendo 1x0, Mengo! Após o intervalo, passando a envolver o adversário no seu toque de bola, cansando e maltratando no olé, o Flamengo tomou controle das ações. Após o goleiro adversário tocar com a mão na bola fora da área, impedindo ataque de Adílio, a infração foi marcada. Na entrada da área, adivinha quem vai bater? O camisa 10 da gávea se prepara, observa, e coloca com maestria a redonda no canto esquerdo do goleiro Oscar Wirth, intacto, a observar o golaço! Gol de Zico! Gol do Mengo! O Flamengo já vencia no campo, mas faltava um acerto de contas. “Vai lá e dá um muro no Mário Solto” foi a ordem dada por Carpegianni, cumprida à risca pelo centroavante Anselmo. Assim, na bola e na “porrada”, em sua primeira participação continental, o Flamengo conquistava a Taça Libertadores da América! Zico foi o artilheiro (11 gols). Carimbado o passaporte para Tóquio.
Apenas treze dias depois (06/12), há uma semana da viagem para o Japão, o Flamengo estava decidindo o Campeonato Carioca. O time já havia vencido a Taça Guanabara e vingado os 6x0 no Botafogo. Na final toda a equipe jogaria pela memória de seu treinador. Com gols de Adílio e Nunes ainda no primeiro tempo, o Flamengo venceu o Vasco por 2 a 1 e levantou mais uma taça, numa ocasião entre alegria e saudade. Mais de 100 mil pessoas gritaram o nome de Coutinho, criador daquele time, que havia morrido em novembro ao praticar mergulho nas encostas do Rio. Com sentimento de luto e mais uma faixa no peito, o Flamengo partiu para o outro lado do Mundo para fazer história.
MAIS QUE DONOS DO MUNDO
Por desrespeito ou pura ignorância do que iriam enfrentar, os ingleses ficaram rindo ao ver a corrente formada pelos jogadores do Flamengo (Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Adílio, Andrade e Zico; Tita, Lico e Nunes) no túnel de entrada do estádio Nacional de Tóquio, dia 13 de dezembro de 1981. A esnobe reação teria sido motivada pela grande equipe que era o Liverpool, uma seleção britânica com Hansen, Thompson, Neal, Souness, Ray Kennedy, Dalglish e outras feras. O time já vinha de três reformulações de gerações fantásticas em seis conquistas de Campeonato Inglês, três Liga dos Campeões da Europa, e outras taças continentais em cinco anos, tendo no título Europeu daquele ano passado por Bayern München e Real Madrid. Mas aquilo acabou sendo combustível ao Flamengo, vestido com camisas brancas e mangas rubro-negras, para uma apresentação impecável, desfilando um talento celestial na terra do sol nascente.
Sedentos pelo triunfo a eternizar uma das mais brilhantes gerações do futebol, desde os primeiros minutos o Flamengo envolveu o gigante inglês em um toque de bola refinado, com malícia, categoria e habilidade. Os 62 mil japoneses no estádio arregalaram os olhos logo aos 12’. Zico observa o avanço de Nunes, espera o momento certo e faz um lançamento milimétrico por cima da zaga inglesa, em velocidade o “artilheiro das decisões” só desvia a bola do desesperado goleiro Grobellar, e a redonda vai descansar nas redes, 1x0! Poucas vezes se reuniu em uma equipe tanto talento, sedução e eloquência com a bola. Só mesmo parando com faltas, McDermott em Tita na entrada da área aos 33’. Mal negocio! Zico cobrou firme, a bola se desprendeu das mãos de Grobellar, Tita tentou, mas foi Adílio quem marcou, 2x0!
O tempo passava e o Flamengo tratou de deixar os europeus na roda, dando o golpe que tirou qualquer esbouço de reação aos 41’. Adílio inicia a jogada, se livra da marcação de Lawrenson e toca para Zico, que quebra a linha de defesa adversária com mais um passe fenomenal. A bola vai a feição do avanço de Nunes, que penetra na área e arremata cruzado no canto direito do goleiro, bola nas redes. Flamengo 3x0! O todo poderoso Liverpool estava destruído em 45 minutos, naquela que é, porque não dizer, a maior apresentação já feita por um clube sul-americano em Tóquio. Sem se esforçar na segunda parte, o melhor time do planeta poderia ter feito mais, mas só precisou tocar de pé em pé e esperar o tempo passar até a consagração: Flamengo Campeão do Mundo! Só mesmo um time como aquele, para em meio ao turbilhão de emoções, conquistar três títulos em apenas 21 dias.
FLA DAS VIRADAS E DOS ESPETÁCULOS
Do outro lado da chave, grande parte dos brasileiros esperava uma final entre os clubes de maior torcida do Brasil, seria o encontro de Sócrates x Zico. Mas o copeiro Grêmio não foi avisado e venceu os dois jogos (2x1 e 3x1) frente ao Corinthians. O Tricolor dos Pampas tinha Leão, De Léon, P. Isidoro, Baltazar, Renato Gaúcho e outras feras, e se notabilizava como terror dos times do eixo RJ-SP, sobretudo cariocas, tendo eliminado Vasco e Fluminense. A decisão só seria resolvida em três jogos, ou melhor, em três Batalhas. Não podia ser diferente, pois em campo o Campeão do Mundo e da Libertadores de 1981 (além do Brasil em 80) enfrentando o atual campeão do Brasil e futuro campeão da Libertadores/Mundo do ano seguinte.
Jogo nervoso no primeiro encontro no Maracanã (18/04). Somente aos 37 do segundo tempo, Tonhão abriu o placar para o Grêmio no mando rubro-negra com 138 mil pessoas, resultado que deixaria os gaúchos perto do título. Resolvido? Não! Aquele Flamengo maltratava, arrebatava e fazia explodir de emoção o coração em cima da hora, aos 44’, Zico – sempre ele – tirou um marcado e fuzilou o gol de Leão, 1x1! Segunda partida em Porto Alegre dia 21 de abril, jogo truncado e pegado só podia terminar em um 0x0. Foi necessário o terceiro jogo, pela melhor campanha o tricolor dos pampas tinha a vantagem de jogar em casa.
Na Copa do Mundo de 1982, na Espanha, os flamenguistas Leandro, Júnior e Zico eram titulares da Seleção Brasileira, que encantou o mundo com o futebol arte. Mas a equipe canarinho acabou eliminada na Tragédia de Sarriá pela fortíssima Itália, que seria a Campeã. Alguns meses depois, no Triangular Final do Carioca, outra taça escorregou pelas mãos rubro-negras, assim como havia ocorrido inexplicavelmente na derrota para o Peñarol-URU, no Maracanã, pelas semifinais da Libertadores, dando adeus ao sonho do Bi da América. A necessidade de uma pequena remodelação foi sentida, para reconquistar a Taça de Ouro.
VENCER, VENCER, VENCER...
Pelas quartas de finais veio o emblemático Clássico dos Milhões. Na primeira partida, dia 05 de maio, com mais de 111 mil pessoas no Maracanã, com gols de Adílio e Mozer o Flamengo obteve a vantagem por 2x1 sobre o Vasco de Roberto Dinamite, Geovani & cia. Três dias depois, o Cruz-Maltino reagiu logo no início do jogo de volta com Elói, mas o Mengo foi buscar a classificação com Zico, aos 44’ do segundo tempo, perante 125 mil pessoas no Maracanã. Crescer mais uma vez em momentos decisivos era a mística do Flamengo, um time que já voltava a ter seu refinado meio toque na bola, foi assim diante do Athlético PR nas semifinais. O Flamengo abateu os paranaenses por 3x0 no Maraca, e na volta pôde até perder por 2 a 0. O adversário da final seria o mesmo da estreia, que se não tinha a qualidade do Atlético MG ao qual superou nas semifinais, o Santos do técnico Formiga contava com Joãozinho, Márcio Santos, P. Isidoro, João Paulo, além de Pita e o artilheiro do campeonato Serginho Chulapa, autores dos gols no Morumbi, para mostrar ser tão combatente quanto, vencendo por 2 a 1 na primeira partida da decisão (22/05), tendo chances até para um resultado maior.
FOI UM MAIOR PRAZER, VÊ-LO BRILHAR
Mundial Interclubes 1981
Copa Libertadores da América 1981
Campeonato Brasileiro 1980.1982.1983.
Campeonato Carioca 1981.
- Entre outras taças internacionais como o Torneio Ramon de Carranza (na Espanha) 1980, Copa Punta del Este (no Uruguai) 1981 e o Quadrangular de Napoles (na Itália) 1981.
OS FEITOS HISTÓRICOS & LEGADO
- A geração rubro-negra conquistou tudo que pôde na época:
Campeonato Carioca, Campeonato Brasileiro, Copa Libertadores e a Copa Intercontinental.
- Foram campeões Carioca, do Continente e do Mundo em apenas 21 dias, e ainda conquistaram três Campeonatos Brasileiros em 4 anos.
- A equipe símbolo do futebol arte da geração 80 do futebol brasileiro.
- O FlaShow foi a equipe que trouxe ao Brasil uma nova forma de jogar. Através do Overlaping faziam o chamado meio toque na bola, com muita técnica, dinâmica e ofensividade.
- Na decisão da Copa Intercontinental, o Flamengo fez o mais espetacular show de uma equipe sul-americana frente a um esquadrão Europeu no Japão (a partir de 1980 a competição passou a ser disputada lá).