O Arsenal foi o produto triunfante do seu tempo e das mudanças de sua época. As conquistas que fizeram de um clube médio uma potência mundial foram secundárias, perto das incríveis habilidades e ideias de jogo modernista que foram capazes de traduzir. Foram por alguns anos a melhor equipe do mundo e o mais saboroso gosto do jogo ideal de época.
Por anos o futebol separou dois estilos famosos: de um lado estava o robusto e físico jeito inglês de jogar; do outro o estilo de passes, a tecelagem dos magos escoceses. Essas diferenciações, contudo, eram sentidas no jeito e não na organização, pois não alteravam a ideia tática matricial da pirâmide, o 2-3-5 continuava o padrão mundial. A medida que os defensores perceberam e passaram a criar “artimanhas” para provocar o impedimento dos atacantes (avançando um dos defensores e deixando outro na cobertura, já que o impedimento só se dava com três atrás da linha da bola), as organizações táticas viveram um colapso. As médias de gols começaram a diminuir, o jogo estava ficando entediante, amarrado numa faixa de campo, resultando no afastamento de expectadores dos estádios. A Associação Nacional passou então a pressionar a International Board para que ocorre-se uma mudança na regra de impedimento. A FA foi ainda mais incisiva e propôs as novas mudanças. Chegaram-se então no consenso entre 1925-6: se antes eram necessários três jogadores (geralmente dois defensores e o goleiro) para o impedimento, passariam a bastar dois jogadores entre o receptor do passe e o gol. Agora, ao menor equivoco, o atacante poderia ficar mano a mano com o goleiro. As medidas obtiveram sucesso, elevando a média de gols na Inglaterra e fazendo o jogo fica mais solto. Mas trouxe também mudanças na forma de como o jogo era praticado, provocando à criação do terceiro zagueiro, algo implementado por um gênio, com sua formação WM.
Pelo futebol ser um jogo holístico, simples alterações numa parte do campo podem ter efeitos radicais em outras áreas, isso faz o fascínio desse esporte. Percebendo isso e partindo dessa premissa, um homem modificaria todo o entendimento do jogo, sendo um dos fundadores tático de ideais modernos: seu nome é Herbert Chapman. Suas inovações nos princípios do jogo já haviam sido sentidas em Huddersfield Town (a equipe venceu três Ligas Inglesas e uma FA Cup, sendo a primeira equipe inglesa a passar uma temporada sem sofrer mais de 2 gols por jogo), mas seria em Londres a sua grande criação e revolução.
“O Arsenal Football Club está desde hoje aberto
a receber propostas para a posição de Treinador Principal.
Exige-se experiência e altas qualificações para o lugar,
requerendo-se, em ambas, astúcia e grande personalidade”.
Com a nova regra, alguns times se adaptaram melhores que outros. O Arsenal foi um dos clubes a sofrer para encontrar um padrão consistente. Tudo começou a mudar quando o clube passou a buscar um novo técnico, anunciando essa procura no jornal Athletic Newsem, dia 11 de maio de 1925. Até então o time londrino tinha dificuldades para se manter na elite e não havia conquistado nada significativo.
Chapman aceitou a proposta do Arsenal, mas impôs condições ao dirigente Henry Norrys. O treinador não só tinha a visão de como o futebol deveria ser jogado, também buscava todos os fatores que favorecem seu trabalho. Ele foi um dos pioneiros a acompanhar e decidir sobre tudo nos bastidores dos clubes: desde contratações, escalações e táticas, até as questões como a música que deveria ser escutada pelo público e jogadores no sistema de som do estádio, e as cores que os atletas deviam utilizar. Afirmou que precisaria de pelo menos cinco anos para colocar o clube nos eixos das vitórias.
Desde sua chegada, Chapman passou a interagir em todas as áreas do Arsenal e introduziria uma forte política de contratações. Existiam duvidas se com o clube gastando além das suas capacidades o retorno poderia valer ou colocaria a instituição em ruína. Mas o metódico treinador sabia o que estava fazendo, era preciso ao contratar e cada uma de suas contratações seriam peças chaves para o sistema que visava implementar. Foram cerca de 101 mil libras investidas, fazendo a chegada de Charlie Buchan (a semente da criação), Tom Parker, Neil, tempo depois de David Jack, Cliff Bastin e o lendário escocês Alex James, o homem que pensava duas, três jogadas a frente dos demais e buscava o ponto fraco dos adversários. Capitulo a parte, James faria o sistema brilhar, econômico nos movimentos e excepcional para encontrar espaços, vinha de trás com visão e a técnica para achar rapidamente os atacantes.
Pouco do total também foi aplicado em Jack Lambert e num jovem de 19 anos chamado Eddie Hapgood, que tivera como profissão leiteiro antes de começar a jogar no Bristol Rovers e se tornaria um dos maiores nomes da história do Arsenal. Todos esses eram como peças de xadrez, importantes nas estratégias que surgiriam da cabeça do visionário treinador.
Os primeiros frutos ocorreram já em 1925-6, com Buchan de centromédio recuado (stoper) e o lento Neil adaptado, o time terminava aquela época em segundo lugar, até então a melhor colocação de um londrino. Faltava algo. Só Chapman enxergou em Herbie Roberts, médio contratado do Oswestry towm, a figura tática modelar. Roberts tinha inteligência e, sobretudo, obediência, seu trabalho era interceptar as bolas com cabeceio ou passes rápidos e curtos ao sistema de criação. O WM foi fundamentado. O Arsenal não foi o primeiro clube a chegar na conclusão de que o centromédio poderia se transformar no "terceiro zagueiro", mas seria o time a utilizar tal método com mais consistência e sucesso.
Após três anos da derrota na final da FA Cup, o Arsenal agora sob comando de Chapman estava de volta a Wembley para se redimir. Após passar por Chelsea, Birmingham, Hammers e Hull City, quis o destino que o adversário da final fosse justamente o Huddersfield Towm, ex-time de Chapman, que além de guia-lo aos títulos da liga havia deixado muito de seus ensinamentos. Para homenagear o grande treinador, a direção de Huddersfield propôs ao Arsenal que as equipes entrassem no campo lado a lado. Com transmissão da Rádio BBC, foi a primeira decisão em que direitos de transmissão foram pagos.
Ao iniciar a partida no estádio com 92 mil expectadores, as cortesias foram esquecidas. A equipe de Huddersfield teve iniciativa, mas a rígida defesa do Arsenal controlou as atitudes e respondeu em contra-ataques. Aos 17’, Alex James encontrou Cliff Bastin livre na esquerda, o ponta devolveu a James, que abriu vantagem londrina. O Graf Zeppelin, a gigantesca aeronave alemã, pairou sobre o estádio marcando o final do primeiro tempo. Ao retornarem, a inteligência zonal da defesa do Arsenal deixou o gol de Charlie Preedy tranquilo boa parte do tempo. Faltando 7’ para o encerramento, James fez um lançamento longo a Jack Lambert no círculo central, o jogador venceu dois defensores, percorreu metade do campo até a entrada da área e chutou firme batendo o goleiro de Huddersfield! A FA Cup foi o primeiro grande troféu do Arsenal, Chapman havia cumprido categoricamente a promessa de cinco anos para um título.
Com a organização feita por Chapman, o Arsenal passaria por uma ascensão meteórica. Jack Lambert (38), David Jack (31) e Cliff Bastin (28) foram a combinação de uma artilharia pesada na Liga de 1930-31. A largada se deu com cinco vitórias consecutivas, 18 gols assinalado (média 3,6), apenas 6 sofridos, e goleadas por 4 a 1 exercidas nos clubes Blackpool, Bolton e Sunderland. Os ganners só conheceriam a primeira derrota no 10º compromisso, antes disso também ferindo Leicester (4x1) e Birmigham (4x2). Quando venceu o Manchester United por 2x1, o Arsenal já estava na ponta, ampliando mais sua vantagem nas oito vitórias alcançadas, como nos 5 a 2 sobre o principal concorrente na disputa, o Aston Villa, 5 a 1 no Chelsea, 4 a 1 no Man City e 7 a 1 no Blackpool (em Highbury, notável estreia de George Male). São três jogos em três dias, do dia de Natal até o dia 27 de dezembro, vencendo todas e com 14 gols no processo. Depois veio um 9 a 1 no Grimsby Town, em 13 partidas jogadas na virada do primeiro para o segundo turno. Após tal sequência, o Arsenal só seria derrotado mais uma única vez, intercalando duas series de nove partidas invicto. A equipe da linha de três na defesa quase não sofria gols e abusava de contra-ataques avassaladores, de tirar o folego, com triunfos fulminantes acontecendo como nos 7x2 sobre o Leicester, 6x3 no Derby County, 4x1 no Man United, 5x2 no Middlesbrough, 5x0 no Bolton na última rodada, além do importantíssimo 3 a 1 sobre o Liverpool, os londrinos foram campeões com sete pontos de vantagem. Em 42 jogos o Arsenal marcou 127 gols (média superior a 3 por jogo, um recorde do clube por uma única temporada), mas sobretudo a defesa sofreu apenas 59, a melhor da competição. Foi a primeira conquista Inglesa do Arsenal, que se tornava uma potência.
Chapman era fã do jogo escocês de passes, queria que seus times reproduzissem a sutileza e a inteligência que ele exergava como essências na maneira de conceber o futebol. Considerava que um time podia passar muito tempo no ataque. Também estimulava sua equipe a recuar sem a bola, não para sofrer pressão, mas para possibilitar contra-ataques. Preferia também os passes por dentro e não pelas pontas. "Eram mais mortais, ainda que menos espetaculares" dizia. Quando o Arsenal venceu a FA Cup, o W já tinha sido adotado no sistema e o desenho tático estava claro. Agora quem marcava os pontas eram os zagueiros, não os médios laterais. E quem marcava os meias-atacantes por dentro eram os médios-laterais, não os zagueiros. O centromédio agora era um defensor a mais, lidava com o centroavante e os meias-atacantes sempre recuavam: o 2-3-5 havia se transformado no 3-2-2-3, o WM. "O segredo não estava em atacar, mas em contra-atacar. A ideia era tirar o melhor de cada um e que tivessem um respiro, para sempre ter um homem a mais em cada área do campo. (...) No Arsenal, nós recuávamos deliberadamente para atrair o rival e afunilarmos na defesa. Seguramos o ataque no limite de nossa área, e aí saímos em velocidade e com longos passes para nossos pontas” escreveria Joy no livro sobre a equipe. Os jornais descreviam que o “time se aproximava da precisão de uma máquina”, e pela rápida transição da defesa para o ataque, dotava de um estilo funcional. Sobre estilo de jogo da equipe, descreveram: "era puro séc XX: polido, entusiasmante, espetacular, econômico, devastador".
Uma das inovações de Chapman na indumentária do time,
foi adotar as mangas brancas.
A consagração da época 1932-33 fez florescer em absoluto. As duas primeiras rodadas até deixaram dúvidas, mas o Arsenal emplacou 12 jogos de invencibilidade depois, com 10 vitórias alcançadas, em maior valor o 2x1 sobre o Everton, 3x2 no Liverpool e 1x0 no Newcaslte. O time foi mais econômico no poder de fogo comparado a primeira conquista, mas as goleadas continuavam, foi assim diante do Sunderland (6x1), Leicester City (8x2) e Wolverhampton (7x1). A luta pela glória mais uma vez acabou sendo com o Aston Villa, que venceu os londrinos em casa por 5 a 3. O Arsenal reagiu com 5 vitórias na sequência, incluindo um 4 a 1 sobre o Chelsea, 9x1 sobre o Sheffield, e 1x0 fora ante o Huddersfield Town, que lutava nas primeiras colocações. Depois o time chegou a ter seus objetivos ameaçados, com instabilidades nas 14 rodadas seguintes, que se deu 6 derrotas e 5 empates. Chapman resolveria isso com conversas semanais, preleções e exposições para melhorias do coletivo. Seria a injeção de ânimo necessária para o Arsenal impulsionar cinco vitórias consecutivas, começando com uma goleada contra o maior concorrente, 5 a 0 no Aston Villa, depois 4x3 no Middlesbrough, 4x2 no Sheffield, 2x0 no Portsmouth, 3x1 no Chelsea e obter o título ao empatar (2x2) com Huddersfield Town na penúltima rodada. Novamente o equilíbrio fez do Arsenal o campeão, foram 25 vitórias, 8 empates e 9 derrotas nas 42 jornadas, a artilharia foi de 118 tentos, com a retaguarda sofrendo apenas 61, um saldo absurdo de 57 proveitos.
Como os adversários não conseguiam bater o Arsenal, os clubes passaram a tentar imitar. A ideia de copiar tal sistema ganharia ainda mais proporção, uma escala global, contudo, foi trágica. Carruthers escreveu no Daily Mail: "se imaginam que outros clubes tentariam copia-los, receio que eles talvez não sejam o melhor modelo para inspiração. Hoje só existe um Arsenal, e não consigo conceber outro simplesmente porque nenhum outro clube tem jogadores prontos para interpretar as mesmas ideias".
Chapman lamentaria algumas versões ditas sobre sua equipe: "nosso sistema que é tão imitado por outros clubes, tem sido objeto de críticas e e discussões”.
Mesmo com três vitorias seguidas depois, o regular team se eclipsou, sofrendo derrota de 4 a 1 para o Leicester City. Porém, o clube retiraria forças dos próprios ensinamentos, pois o legado já estava feito. Nas últimas onze rodadas, o Arsenal voltou a praticar seu melhor jogo, dentre outros venceu os maiores concorrentes, Derby County por 1x0 e 4x2, Huddersfield Town (terminaria vice-campeão) por 3x1 e o Sunderland por 2x1. Além de Liverpool por 3x2 e na ultima rodada o Sheffield United por 2x0. Com 25 vitórias, 9 empates e 8 derrotas nos 42 jogos, mais uma Liga acabou em Highbury.
O homem dos gols, Ted Drake, e o homem dos passes, Alex James. Pilares de um Arsenal indestrutível.
Nas temporadas seguintes o clube ficou sem a Liga, mas voltou a triunfar na Copa da Inglaterra em 1936.
Superando Bristol Rovers (5x1), Liverpool (2x0), Newcastle (3x0 e 3x3), Barnsley (4x1), Grimsby Town (1x0) e na finalíssima o Sheffield United por 1x0, gol de Ted Drake, o Arsenal conquistou sua segunda FA Cup.
Após dois anos, o team londrino voltaria ao topo da Inglaterra pela quinta vez, se tornando um dos maiores campeões do país que inventou o futebol. Aquela altura o Arsenal já estava bem modificado de sua fase áurea, sem os pensantes Alex James e David Jackson, e sem seu jogo dominante e ágil. Apesar de um começo animador, a primeira round do campeonato apresentou inconstância (9 vitórias, 7 derrotas e 5 empates), a equipe só não deixou distanciar o objetivo. Foi a partir do empate em Suderland, já na segunda etapa da Liga, que o Arsenal agregou suas virtudes em direção ao triunfo, em 12 jogos só perdeu uma, superando os rivais em outras sete ocasiões. A discriminar duas derrotas para o Brentford, o Arsenal foi perfeito nas últimas três rodadas, vencendo fora o Preston North End por 3 a 1, e em casa o Liverpool por 1 a 0 e o Bolton Wanderers em sonora goleada de 5 a 0, que garantiu o título com um ponto de frente do Wolverhampton. A campanha teve 21 sucessos, 10 igualdades e 11 derrotas.
O clube também venceu cinco das sete Supercopas da Inglaterra que disputou na década, consagrado nas edições de 1930, 31, 33 (4x0 no Everton), 34 e 1938.
Homenagem do Arsenal ao treinador Hebert Chapman, representado ao lado do estádio do clube.
A partir de 1940 a Liga Inglesa seria suspensa devido à Segunda Guerra Mundial, fator que atrapalhou grandes jogadores no país, que ainda estavam em forma. Na volta da competição, já sem os grandes craques, mas com as ideias de Chapman ainda enraizadas, o Arsenal do artilheiro Ronnie Rooke se tornaria o maior campeão Inglês em 1948, sendo seu maior momento histórico, talvez o maior clube do mundo na época. O sucesso igual da época dourada, porém, nunca mais se repetiria, ficando o legado eterno de uma equipe de astros e de seu treinador incomum. Mesmo sobrevivendo a guerra, seria 1953 talvez o ano fúnebre do WM, que caia ancião frente ao MM ou 4-2-4 húngaro. Talvez se Chapman estivesse vivo frente ao Arsenal (clube que lhe deu tudo para desenvolver melhor suas facetas), o mestre Inglês poderia ter inovado seu sistema e chegado a algo parecido com que fizeram atrás da cortina de ferro. Fica a imaginação e a contribuição inglesa ao avanço do jogo dentro de suas próprias criações.
Campeonato Inglês 1930-31.1932-33.1933-34.1934-35.1937-38.
Copa da Inglaterra 1929-30.1935-36.
Supercopa da Inglaterra 1930.1931.1933.1934.1938.
OS FEITOS HISTÓRICOS & LEGADO
- Foram os criadores do sistema WM, a partir da nova lei de impedimento. Tal tática foi a primeira sentida na piramide inglesa (2-3-5 ou WW), sendo um anúncio do futebol moderno, ao qual não existia uma única tática a utilizar. Se chamou ao processo de “Quadrado Mágico de Chapman”.
- Antes dessa equipe, nenhuma outra revelava grandes cuidados na abordagem teórica do jogo, afirmou Chapman no livro Chapman, Fottball Emperor: “Nenhuma tentativa era feita para organizar a vitória. O máximo de que me recordo eram ocasionais conversas entre, por exemplo, dois jogadores que iam actuar no mesmo flanco”. Em outra passagem escreveu: “No futebol existem quatro jogadores chave: os dois alas e os avançados interiores. Se tivermos um bom guarda redes e um bom stopper (centromédio recuado), tudo o que é necessário são dois bons extremos e um grande avançado centro. O resto é indiferente”.
- O Arsenal conquistou 5 Campeonatos Ingleses em menos de uma década, um Tricampeonato nesse ínterim, façanha muito restrita na história do Campeonato Inglês. Highbury virou o Santuário do Futebol.